Informativo dos alunos do curso de Letras da FIP / UNIBR

"Tudo está na educação. O pêssego dantes era uma amêndoa amarga; a couve-flor não é mais do que uma couve que andou na universidade."

"Todo o homem recebe duas espécies de educação: a que lhe é dada pelos outros, e, muito mais importante, a que ele dá a si mesmo."

"Nem todos podem tirar um curso superior. Mas todos podem ter respeito, alta escala de valores e as qualidades de espírito que são a verdadeira riqueza de qualquer pessoa."

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domingo, 6 de março de 2011

Afinal, o que é linguística Aplicada


o tema aglutinador é algo que tem despertado muita atenção entre os estudiosos nos últimos tempos, tanto aqui no Brasil como lá fora – a saber, a questão da natureza exata da Linguística Aplicada (LA) enquanto disciplina acadêmica. Tendo conseguido, já há algum tempo, sua autonomia institucional, a LA continua buscando melhor compreensão da sua identidade e especificidade enquanto área do saber. Os pesquisadores não se contentam mais encarando a LA como o ponto de encontro de várias outras disciplinas, visão essa que veio a suplantar a chamada postura "Brumfit-Widdowson", que procurava frisar a emancipação da disciplina em relação à linguística teórica. Lars Sigred Evensen, em sua contribuição ao volume, resume a atual tendência nas seguintes palavras: "Estamos atuando em um campo multidisciplinar (no sentido mais estrito desse termo) ou participamos do desenvolvimento de uma transdisciplina emergente (de uma ciência exclusiva, em termos não-tecnológicos)? Se tal, quais são as características dessa determinada transdisciplina?" (pp. 81-2). A palavra transdisciplinaridade ou uma de suas variantes morfológicas está presente nos títulos de nada menos que 4 dos 10 trabalhos e também nos títulos da metade das 4 partes, e todos os autores, sem exceção, tocam no assunto direta ou indiretamente, no decorrer dos seus textos. Isso não só justifica o título dado ao próprio volume, como também demonstra grande interesse, por parte dos pesquisadores que contribuíram para o volume, de interrogar a constituição e o estatuto da LA e os rumos que ela deve tomar daqui em diante.
As 4 partes do volume têm os seguintes títulos: LA: Agendas em Discussão, Do Disciplinar ao Transdisciplinar em LA, Significados Atribuídos à Transdisciplinaridade, e Dois Congressos e o Mesmo Tema. Dois trabalhos, de autoria, respectivamente de Alastair Pennycook e de Angela B. Kleiman, compõem a 1ª Parte. O de Pennycook, originalmente publicado em 1990 na revista Issues in Applied Linguistics, pleiteia uma postura abertamente crítica, ao passo que o segundo se preocupa mais em rastrear o percurso trilhado pela LA desde o começo da sua existência como disciplina autônoma.
A Parte 2 do volume também contém dois trabalhos. O primeiro, assinado por Lars Sigfred Evensen, discute a questão da transdisciplinaridade da LA e conclui apontando para a mudança de enfoque em curso na LA de teoria para problemas específicos e ressaltando a necessidade de compreender melhor a relação dialética existente entre a pesquisa básica e a pesquisa aplicada. O trecho citado no início desta resenha foi extraído desse trabalho do autor, que foi originalmente apresentado no Congresso da AILA em 1966. O segundo artigo, da autoria de Inês Signorini, procura definir o objeto das pesquisas em LA. A autora vê uma clara vantagem em se ter "um objeto múltiplo e complexo" (p. 107) porque isso tem como conseqüência "a inevitável exposição à multiplicidade de paradigmas que constituem o universo científico contemporâneo" (p.108).
Os 3 artigos que compõem a Parte 3 do volume são assinados, respectivamente, por Luiz Paulo da Moita Lopes, Maria Antonieta Alba Celani, e Silvana Serrani-Infante. Cada um procura analisar o próprio conceito de transdisciplinaridade e a sua pertinência às pesquisas feitas em LA. Moita Lopes coloca em discussão a possibilidade de a LA vir a ser genuinamente transdisciplinar. O autor faz restrições à caracterização apressada da LA como transdisciplinar e lança mão da hipótese de que a atual situação da indefinição talvez deva ao fato da LA ser ainda "uma área de investigação relativamente nova"(p. 127). Com base em sua ampla experiência como pesquisadora e pioneira no campo, Celani se mostra mais segura e confiante ao reivindicar o caráter transdisciplinar da LA, tese já defendida em outras oportunidades como em (Celani, 1992). Em suas palavras, "A Lingüística Aplicada parece ter vocação para uma atitude transdisciplinar. Essa preocupação com o social, com o humano, há tempos tem sido objeto de pesquisas em Lingüística Aplicada e, de fato, é componente fundamental na definição da disciplina"(p.133). O trabalho de Serrani-Infante discute a questão da articulação teoria-prática à luz dos resultados parciais de um projeto de pesquisa em curso na UNICAMP.
A Parte 4 é composta de 3 artigos de depoimento que relatam as experiências dos autores em recentes congressos na área de LA. A primeira, da autoria de Inês Signorini, faz um apanhado do IV Congresso Brasileiro de Lingüística Aplicada, realizado em 1995 na UNICAMP. Os últimos dois, de Diane Larsen-Freeman e Marilda C. Cavalcanti, discutem o 11º Congresso Internacional de Lingüística Aplicada (AILA) que ocorreu em Jyväskyla, Finlândia, em 1996. Ambas as autoras destacam a grande dispersão e heterogeneidade que atualmente caracterizam as pesquisas em LA. Diz Larsen-Freeman: "Uma idéia que parece ser propagada, atualmente, é a concepção de que as coisas estão interligadas de maneiras extremamente complicadas e sensíveis" (p. 187). Cavalcanti frisa o caráter eminentemente político da divisão do bolo de conhecimento em disciplinas e assinala que "A Lingüística Aplicada mostra faces diferentes em países diferentes e, como em outras áreas, isso se deve à maneira como a segmentação de conhecimento é politicamente decidida nas universidades" (p. 207).
Sem sombra de dúvida, livros como este são bem-vindos sobretudo diante das incertezas e falta de definição que ainda pairam sobre LA. Os autores, cada um do seu ponto de vista, se esforçam para formular um certo posicionamento em relação à transdisciplinaridade que é a palavra de ordem, já há algum tempo. A falta de unanimidade não é, como alguns podem pensar, necessariamente sinal de imaturidade, nem tampouco, fenômeno típico que se observa em disciplinas recém-emancipadas. Muito pelo contrário, sou de opinião de que é justamente a ausência de dissensão, de diferenças fundamentais, que sinaliza estado moribundo e preocupante de um campo de conhecimento.

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